Ler Mestre Pichet Boonthumme

Mestre Pichet Boonthumme

Ao longo da vida reconheço a influência profunda de três mestres, sendo o Pichet Boonthumme um deles. Há três dias deitou o corpo para dormir e o seu sopro vital partiu deixando o rasto de uma vida que curou e guiou milhares nos seus caminhos.

Todos os dias, dezenas de professores e terapeutas com décadas de experiência apareciam no seu templo para aprender com aquele que era considerado o último mestre vivo da ancestral massagem tailandesa.

Relembro as suas palavras “O corpo é como uma árvore velha que por vezes não sabe quando ceder ou que é tempo de cair”. Celebro hoje a vida inspirada do Arjan Pichet (Mestre Pichet), os ensinamentos sensíveis deste e celebro a decisão de ir para a Tailândia para o conhecer e aprender com este ao longo de meses. A minha história não é única e no meu percurso conheci outros que foram também para a Tailândia unicamente para poder aprender diretamente com o lendário Pichet.

Acordava de madrugada para ver o sol nascer, seguidamente comia algo no mercado e de caminho comprava ramos de flores e incensos para as oferendas da manhã. Pedalava por meia hora até à orla da cidade de Chiang Mai, a meca dos terapeutas e do desenvolvimento pessoal, como gostava de lhe chamar. Há mais de uma década, Chiang Mai vibrava com professores e terapeutas internacionais das mais diversas áreas, que por lá tinham assentado. Percorrida a cidade apanhava o Tuk-Tuk Bus, em conjunto com uma dúzia de desconhecidos e reconhecidos. Iamos aconchegados uns nos outros e não raras vezes, cedia o lugar a alguma senhora com filhos ou compras do mercado, agarrando-mena parte de fora do tuk-tuk com outros “cordiais cavalheiros”, por mais quarenta minutos.

Um pouco antes das oito da manhã chegava ao templo do mestre Pichet para “iniciar” o dia. A pausa era ao almoço, caminhávamos até ao telheiro improvisado de uma vizinha local, que rapidamente cozinhava um saboroso Khao Pad (arroz frito com ovo estrelado).

“Diz que o seu coração está partido? Mas se ele está partido, então você já está morto. Então, o que realmente quebrou? O seu ego!”

Mestre Pichet Boonthumme

Dentro do vasto panorama da Massagem Tailandesa, a presença do Mestre Pichet Boonthumme brilhava com singularidade e havia algo neste que sempre me fez lembrar o mestre Yoda, da saga épica da Guerra das Estrelas. Nos arredores de Chiang Mai, o modesto templo do Pichet conseguir agregar uma comunidade internacional de terapeutas entusiasmados por absorver a sua abordagem ímpar na cura. O silêncio trazia consigo significados profundos e a compreensão íntima manifestava-se como chave-mestra.

Pichet ensinava a importância vital do terapeuta assegurar a sua saúde e bem-estar primeiro para ser efetivo na cura de outros em consequência.

Todos os dias, dezenas de professores e terapeutas com décadas de experiência nos seus países nativos, apareciam para aprender com aquele que era considerado o último mestre vivo da ancestral massagem tailandesa. Indo além das técnicas ou protocolos afunilados, da massagem tailandesa convencional, o estilo de massagem tailandesa como ensinado pelo Mestre Pichet foca-se na escuta profunda do terapeuta de si mesmo e por extensão do paciente. Uma prática sensitiva, assistida por meditação e desenvolvimento pessoal, onde o terapeuta deverá cuidar de si e escutar-se antes de ousar escutar ou tocar no corpo do paciente. Pichet ensinava a importância vital do terapeuta assegurar a sua saúde e bem-estar primeiro para ser efetivo na cura de outros em consequência, sublinhando os perigos dos pensamentos de idolatração do sacríficio e das diversas crenças arraigadas no coletivo. “Eu penso, eu acho, eu quero… aaah! Dor de cabeça!” exclamava com recorrência.
Hoje presto tributo ao ensinamento a que o Mestre Pichet dedicou uma porção generosa da sua vida, da sua energia, do seu tempo para vincular uma mensagem para todos.
“Diz que o seu coração está partido? Mas se ele está partido, então você já está morto. Então, o que realmente quebrou? O seu ego!” Com esta e outras provocações desafiava paradigmas convencionais nos visitantes, revelando-se um mestre que não se ajustava a condescendências; A sua mensagem saia sem hesitações ou filtros sendo naturalmente amado por uns e incompreendido por outros.
Era exímio a ler a psicologia através do corpo e não hesitava em chamar alguém de “cabeça-dura” enquanto lhe tocava na cabeça como quem bate à porta. Nos intervalos fumaria relaxadamente os seus cigarros e se alguém se assomava exigindo uma atenção especial, diria algo como “Você é que decidiu vir aqui, não o chamei”.

Lembro-me de observar outros terapeutas a filmar avidamente na esperança de descobrir que protocolo estaria a aplicar, sem entender que a sequência era criada no momento para aquela pessoa e questão em específico, tal como um artista de jazz no improviso.

“Existem muitas escolas que ensinam técnicas. Eu não estou aqui para ensinar técnicas.”

Mestre Pichet Boonthumme

Repetia diferentes lemas que ecoavam como mantras: “Bom para si, bom para mim”, refletindo uma compreensão profunda das interconexões do universo em todos os aspetos da nossa vida, corpo e mente. As suas aulas transcendiam a esfera técnica, sendo um convite a desaprender, a sintonizar com os nossos próprios corpos e a escutar o que teriam estes para nos dizer.
Via além das palavras, compreendendo-nos em níveis que ultrapassavam aparências superficiais, palavras, crenças ou convenções culturais. Apelava à importância de aprender aprender a escutar, a sentir e a agir a sem hesitações. “Fechar o Portal” dos sentidos e ruídos do pensamento, de modo a facilitar uma imersão profunda em nós para ter respostas que nos guiam intuitivamente.
No templo budista que erigiu partilhava os ensinamentos. A jornada pela massagem tailandesa ancestral não se iniciaria antes das cerimónias de oferendas ao templo e dos cânticos para elevar a nossa vibração. Seguiam-se as palestras intuídas no momento e os espaços de silêncio ao longo de todo o dia. Manuais, certificados e estatutos não tinham lugar neste espaço familiar onde se aprendia a ser mais humano; as lições fluíam de acordo com a intuição do mestre, moldando-se conforme as questões singulares que cada pessoa trazia para tratar. Concluíamos cantando em conjunto em tailandês, o mantra ao Dr. Shivago e que anexarei no fim desta publicação.

“Tuka!” exclamava enquanto batia na própria cabeça para realçar a nossa habilidade para criar e desencadear problemas a partir daí.

“Existem muitas escolas que ensinam técnicas. Eu não estou aqui para ensinar técnicas.” Diria o Pichet enquanto esculpia lições como um artesão habilidoso molda uma pedra bruta, a uma obra-prima. Lembro-me de observar outros terapeutas a filmar avidamente na esperança de descobrir que protocolo estaria a aplicar, sem entender que a sequência era criada no momento para aquela pessoa e questão em específico, tal como um artista de jazz no improviso.

Sentir, praticar e agir a partir da mente-coração eram referências constantes que passava através de histórias. “Passo a passo, pouco a pouco. Sem pressas. Mas realizando.” apelava. Por diversas vezes alertava as dores de cabeça literais e metafóricas desencadeadas quando se fica preso apenas na mente racional e no pensamento excessivo. “Tuka!” exclamava enquanto batia na própria cabeça para realçar a nossa habilidade para criar e desencadear problemas a partir daí. A ligação tem de passar rapidamente pelo cérebro, para chegar ao coração e estender-se às mãos de forma intuitiva, ensinava o Mestre Pichet com veemência. “Sinta em si mesmo. O mesmo sentimento em outra pessoa”, “Não limitar ao pensar e a ver. Olhar, tocar, sentir, entender profundamente.” enfatizava, convidando-nos a uma conexão profunda por imersão e não apenas à execução mecânica e racionalizada, dividida e demasiadas vezes quebrada à conta de tantos rácios.
O Mestre Pichet Boonthumme deixou um legado não apenas de massagem, mas de uma educação que transcende barreiras. Ensinou-nos a ouvir as batidas do nosso próprio coração antes de nos ligarmos ao outro como uma extensão de nós próprios, a abraçar a intuição e a caminhar por um caminho de aprendizagem sem fronteiras. A influência do estilo Pichet, tal como um rio, continua a fluir através de cada terapeuta e discipulo que aprendeu com este ao longo das passadas décadas.
Boa viagem Pichet, encontraremo-nos no espaço onde fluem os sonhos!

Mantra de celebração ao Dr. Shivago

Este mantra é tradicionalmente recitado em práticas de massagem tailandesa em homenagem a Jivaka Kumar Bhaccha, o fundador da massagem tailandesa e um dos médicos do Buda.

Om Namo Shivago Silasa Ahang Karuniko
Sapasatanag Osatha Tipa-Mantang Papaso
Suriya-Jantang Gomalapato Paka-Sesi Wantami
Bantito Sumethasso A lokha
Sumana Homi (3x)

Piyo-Nakha Supananang Pinisiang Nama-Mihang
Namo-Puttaya Navon-Navien Nasatit-Nasatien

Ehi-Mama Navien-Nawe Napai-Tang-Vien Navien-Makaku Ehi-Mama piyong — Mama Namo-Puttaya (1x)

Na-A Na-Wa Lokha Payati Vina-Santi (3x)

“Convidamos o espírito do nosso fundador, o Pai-Doutor Shivago, que nos chega através da sua santa vida. Por favor, traz-nos o conhecimento de toda a natureza, para que esta prece nos revele a verdadeira medicina do universo. Em nome deste mantra, respeitamos a tua ajuda e rogamos que através dos nossos corpos tragas plenitude e saúde ao corpo do nosso paciente.
A cura divina habita na imensidão dos céus, enquanto a humanidade habita no Mundo abaixo. Em nome do fundador, que os céus se reflitam no Mundo abaixo para que esta medicina curativa possa envolver o mundo.
Rezamos pelos que tocamos, para que sejam felizes e a doença se afaste deles.”

Documentário: O Lendário Mestre Pichet Boonthume da Thai Massage

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